Neste post gostaria de falar sobre alguns brasileiros notáveis. Não me refiro a presidentes ou ex-presidentes. Estou mesmo falando de alguns empresários notáveis, que tiveram a audácia de empreender no nosso país, um dos mais complicados para se fazer isso no mundo, e lançaram linhas de pedais de efeitos e outros apetrechos musicais.
O início...
Houve uma era no Brasil onde o governo era militar. Bom, você já deve saber disso, afinal não se fala em outra coisa.... Nessa época se acreditava que era preciso proteger a indústria nacional. Os militares então tiveram uma ideia brilhante: as importações de qualquer tipo de equipamento manufaturado foi proibida. Não havia uma sobretaxa, um imposto maior. Não. Simplesmente não podia e ponto final. Se isso ajudou ou não a indústria brasileira eu não sei. Tirem suas conclusões...Isso foi lá nos anos 80... Vivíamos o auge da guitarra e do rock, com bandas surgindo do nada como Legião Urbana, Cazuza e o Barão Vermelho, Titãs, Lulu Santos, entre tantos outros nomes.
Cazuza e Frejat no Rock in Rio, 1985. Era o auge do rock brasileiro |
Nesse cenário um tanto maluco sugiram algumas marcas, que acabaram sendo as únicas opções para quem não viajava (se um pedal custava um salário, você pode imaginar quanto custava ir pra terra do Tio Sam né?). Eu me lembro bem de duas marcas, que marcaram o início do meu relacionamento com a guitarra: A Oliver e a Chorus Musical.
Ambas produziam pedais, porém com diferenças consideráveis entre elas.
Oliver: a Boss brasileira
O marca Oliver era uma subsidiária da Roland (dona da Boss). A estratégia foi bacana: um brasileiro abre uma empresa aqui e produz o que se produz lá fora. Em teoria essa tecnologia é "aprendida" e pode ser replicada sem a empresa matriz por perto. No caso da Oliver, a matriz foi a Roland/Boss. E assim começamos a ter pedais "clones" da Boss, a preços um pouco mais acessíveis por aqui.
A linha da Oliver consistia dos seguintes pedais: Compressor sustainer CS-30 (baseado no Boss CS3), Chorus CE-30 (baseado no CE3), Flanger BF20 (baseado no BF2), Delay DD30 (baseado no DD3 de primeira geração, mas eu vim a descobrir que ele é muito mais semelhante ao DD2), Equalizer EQ-70 (derivado do EQ7), Super Overdrive SD-10 (SD1), Distortion DS-10 (DS1) e Heavy Metal HM-20 (HM2).
Alguns dos pedais Oliver ainda muito bem conservados! |
Existe por aí a história que os projetos eram diferentes da Boss e tal, mas com os anos de vivência eu posso confirmar: Oliver e Boss são idênticos. Ao menos em projeto. Mas lembre-se: eram os anos 80... não havia a possibilidade de importar componentes eletrônicos (exceto aqueles que não se produzia no Brasil), então é fato: os pedais Oliver usavam (e ainda usam) muitos componentes de fabricação nacional. E isso não desmerece absolutamente em nada esses pequenos notáveis. Os componentes brazucas são tão bons ou talvez melhores do que os componentes produzidos na Coréia ou Taiwan dos anos 80. Eram outros tempos... a China não passava perto do que é hoje.
Apesar da ideia e do resultado bacana do processo de parceria com a Roland, a Oliver não criou nenhum pedal próprio. Sempre trabalhou com versões brasileiras "Herbert Richers" dos pedais da Boss. Tinham em comum a construção robusta, modelo tanque de guerra, mas eram um pouco maiores (restrições tecnológicas brasileiras e obviamente uma maneira de reduzir os royalties pagos à matriz) e eram todos pintados com um cinza escuro, quase preto. As únicas cores que se viam nos pedais da Oliver eram na serigrafia e em uma pequena tarja, onde constava o nome do pedal. Anos 80, reinava o design quadradinho, incluindo o LED indicativo do efeito. Eu ainda tenho diversos deles na minha coleção pessoal. Todos funcionando muito bem, mesmo depois de quase 40 anos de história.
Chorus: a desafiante
A Chorus Musical teve uma história um pouco diferente. Obviamente a Chorus também se inspirou nos gringos para criar seus pedais, mas eles não eram clones de pedais existentes. Tinham a sua própria característica. Eu não me lembro exatamente quais eram os modelos, mas alguns me vêm à cabeça: Super Overdrices DW-A3 e SD40, Digital Delay DD40, Equalizador paramétrico PQ30, Heavy Metal HY-A3, Chorus, CH-3, Phaser PH-A3, tinha também um Flanger lembro o modelo. Tinha até um alusivo Tube Screamer TS-40, uma boa cópia do Ibanez TS808.
O "famoso" Heavy Metal da Chorus. Um dos pedais com maior ganho na época |
Diferentemente da Oliver, a Chorus gostava das cores. Os pedais eram cada um de uma cor diferente. Diferentemente também, eles não eram muito confiáveis. O acionamento dos efeitos não era 100% preciso e confiável, então, às vezes, era necessário pisar mais de uma vez no pedal para acionar/desligar o efeito (se consertava isso com um pequeno capacitor na chave de acionamento, mas podia ter sido feito na fábrica...).
Podiam não ser os mais confiáveis, mas tinham um timbre único. Os modelos Super Overdrive (ambos) e o Heavy Metal eram sensacionais. Muito sustain e corpo no Heavy Metal e um overdrive dos mais bacanas que eu já toquei no Super Overdrive DW-A3. Eram realmente excelentes pedais, e custavam bem menos do que os Olivers, portanto vendiam mais...
Ora, se vendiam mais, porquê ainda vemos tantos pedais Oliver por aí e nem tantos Chorus? Lembra da questão da confiabilidade??? A Chorus não era tão criteriosa na escolha dos componentes, o que levava a falhas mais frequentes. As pessoas acabavam encostando o pedal (não havia muitos serviços de manutenção disponíveis naquele tempo...). Com isso, hoje temos apenas poucas dessas peças disponíveis no mercado. Quem as têm costuma cuidar bem delas e as mantém em seu acervo particular.
Tempos modernos...
Com a abertura do mercado após o governo de Fernando Collor, os brasileiros começaram a ter mais acesso a equipamentos importados. Eles ainda eram caros, mas começavam a estar disponíveis aos menos abastados. Até então líderes no mercado, Oliver e Chorus começaram a encarar a concorrência direta de marcas como a própria Boss, DOD, Digitech, Zoom entre outros. Sem a proteção governamental ficou clara a defasagem tecnológica dos brasileiros.
Isso aconteceu mais ou menos na mesma época em que começou a popularização das unidades multiefeitos - as "pedaleiras" e os racks dispostos como uma "geladeira" eram o grande desejo dos músicos da época. Marcas até então desconhecidas como a Zoom e a Digitech passaram a dominar o cenário dos efeitos. A digitalização possibilitaria ter, em uma caixa portátil, um grande número de efeitos que antes só eram possíveis com um grande set de pedais. Imagine isso e os anos 90, onde a música experimentava a digitalização, os samplers, DJs e outros instrumentos digitais. Os pedais foram deixados de lado, os preços caíram. Em pouco tempo Oliver e Chorus eram só uma lembrança entre os vendedores. Passariam então ao mercado de usados apenas.
Sonho de consumo, nos anos 80 ou hoje... |
Uma "geladeira" recheada de guloseimas.... Quem não gostaria de ser o feliz proprietário??? |
Tempos atuais
Quando passamos a era do rock-farofa, dos cabelos pufantes e do exagero dos anos 80 e início dos 90 (ao menos por aqui), voltou-se a acreditar no "menos é mais". As "geladeiras" foram abandonadas, pois os equipamentos quase não permitiam manutenção, eram grandes e pesados para levar de um lado a outro e eram tão complicados que exigiam algumas horas de dedicação para obter um som e mudança de patches adequados que simplesmente não fazia mais sentido usa-los. Os pedais voltaram com tudo.
Kurt Cobain: menos é mais. Apenas um Sansamp GT2 e um Boss DS2 |
No cenário Grunge dos anos 90-00 as novas bandas apareciam com setups cada vez mais enxutos. 3 ou 4 pedais, apenas. E o som era simplesmente fantástico. As caixinhas coloridas voltaram a ser alvo de desejo dos músicos da época. Surgia ali mais uma oportunidade para os destemidos empresários.
Hoje dificilmente você verá um setup de um grande guitarrista somente com efeitos tipo pedaleira ou rack. O timbre único das caixinhas ainda é o mais desejado, mesmo na era da internet, onde pedais são programados com smartphones, os clássicos RAT, Tube Screamer, DS1 ainda reinam absolutos nos pedal boards dos melhores músicos.
O Brasil de hoje
Landscape TriEFX Overtone: Praticidade do "3 em 1" |
Vimos então por aqui o surgimento de novas empresas como a Onerr, que iniciou com o pedal Fat Boy, um ótimo Wah-Wah. A Landscape também inovou ao lançar pedais como o TriEFX, que traziam três efeitos analógicos em uma única peça. Tanto a Onerr como a Landscape possuem excelentes produtos. A Onerr se destaca pelos overdrives Carbon X e Tungsten, já a Landscape tem o Brutal Distortion e o Spring Reverb, além do TriEFX Overtone como destaques. Todos eles com construção de primeira e um timbre excelente.
Onerr Carbon-X: Um dos melhores overdrives que eu já toquei |
Tanto a Oliver como a Chorus ajudaram a criar um ambiente favorável aos músicos do Brasil dos anos 80 e 90. A Chorus tinha um talento para a criação de pedais únicos, já a Oliver tinha na confiabilidade o seu maior trunfo. Elas pavimentaram o caminho para os atuais fabricantes que temos por aqui, e precisam ser reconhecidos por terem feito isso.
Por isso, antes de torcer o nariz quando ouvir falar em marcas brasileiras (sim, eu também já fiz isso...), experimente-as. Espete a sua guitarra num Carbon-X e experimente! Se você não curtir, ao menos poderá falar com propriedade sobre o que não agradou. Se gostar, ótimo! Você abrirá uma gama inteira de novos produtos, a preços excelentes, para complementar seu setup.
Deixe de lado o preconceito e o complexo de vira-lata. Brasileiro é competente, e os nossos produtos não perdem absolutamente nada para os gringos, e são, muitas vezes, superiores aos chineses - esses, papo para um outro post.
Um grande abraço, sucesso para todos e até o próximo post!
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